Autor: Matheus Cavalheiro - especial para Mediação/CNU
Quem costuma viajar de avião sabe que o aeroporto de Guarulhos (SP) é um daqueles lugares realmente grandes em que você pode acabar se perdendo e, eventualmente, até se atrasando caso passe batido por alguma sinalização. O que pouca gente sabe sobre esse importante ponto de tráfego de pessoas é justamente o que mostra “O Estranho”, filme de Flora Dias e Juruna Mallon, apresentado na Mostra Competitiva Nacional da edição 2023 do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.
Muita gente esteve presente na sessão dessa segunda-feira (19) à tarde, incluindo parte da comissão técnica responsável pelo filme. Os dois diretores e a atriz Patrícia Saravy, junto a alguns outros componentes da equipe do longa, apresentaram brevemente o filme antes do início da projeção. Reforçaram que era um filme pequeno, de orçamento e equipe diminutos, mas disseram estar felizes com a visibilidade que ele atingiu. De acordo com eles, era um filme que provavelmente levantaria vários questionamentos por conta dos assuntos tratados e era justamente essa sua intenção.
“O Estranho” se inicia com uma sequência de tomadas curtas e marcadas com anos específicos, que iriam desde antes da colonização do Brasil até o século XX. Em um primeiro momento, não é possível conectar as imagens umas às outras, até que, na contemporaneidade, se apresenta a protagonista Alê (Larissa Siqueira), que trabalha no aeroporto de Guarulhos, mora na região e tem uma relação direta com a terra na qual ele foi construído.
Descobrimos, no decorrer do filme, um pouco de tudo: sobre o relacionamento romântico que a protagonista mantém com Sílvia (Patrícia Saravy), e sua eventual separação; um pouco sobre a relação de Sílvia com sua filha e suas questões pessoais; a rotina de trabalho de Alê e sua relação com alguns colegas; como ela gosta de furtar pequenos objetos de malas não recuperadas, assim como colocar de volta coisas nelas; um pouco sobre sua ancestralidade indígena e como se dá, então, esse complexo vínculo com a terra que pertenceu a seu povo e agora dá lugar a um aeroporto para o qual, no fim das contas, ela trabalha.
É desse “um pouco” de muitas coisas que se forma uma colcha de retalhos em uma montagem que não segue uma linha narrativa clara e que, apesar de mostrar muito e de maneira poética e concatenada, na maior parte das vezes, dificilmente se aprofunda. Não apenas os detalhes narrativos da vida da protagonista se compõem em variados pedaços que não seguem uma ordem, como também os assuntos tratados se espalham nada uniformemente pelo filme – de problemas relacionados ao trabalho terceirizado a religiões de matriz africana, o longa nos apresenta cenas que não são nem comentadas nem fazem parte da trama principal.
O tema mais presente, até por conta dos ancestrais da protagonista, é a posição que os povos indígenas ocupam na região em qual foi construído o aeroporto e como diversas culturas originárias lutam para continuar a sobreviver e coexistir em um local que mais do que uma grande construção, é símbolo de um progresso que pouco reflete criticamente seus impactos. O assunto, inclusive, é abordado em um trecho em forma de documentário real, com entrevistas, seguido por um documentário ficcional antes do retorno à trama original – mais uma mescla, agora de formatos.
“O Estranho”, assim como o aeroporto de Guarulhos retratado em suas diversas camadas, é definitivamente cheio de corredores que podem fazer o espectador se perder, mas que faz mais sentido quando revisitado. Apesar de se ouvirem comentários da audiência sobre o clima de confusão ao fim da sessão, o filme definitivamente cumpre a proposta dos diretores de levantar questionamentos e, pode-se dizer, entrega sua mensagem.
Os vencedores das Mostras Competitivas serão exibidos na quinta-feira (22), no Cineplex Batel. Ingressos e informações sobre o Festival encontram-se no site do evento. A Uninter é patrocinadora do festival e a Central de Notícias Uninter (CNU) acompanha com a cobertura até seu encerramento.
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