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Paulo Pessôa Neto

Mais um caso de explosão em uma escola


No início de 2022, fomos bombardeados diariamente com notícias de fatalidades que ocorreram em batalhas já previstas para ocorrer. Porém, a diplomacia ainda buscava impedir possíveis óbitos provenientes desses conflitos sangrentos. Ao final de março, as fatalidades já acumulavam mais de 150 mil vítimas, entre batalhas armadas, violência contra civis, explosões, protestos e revoltas. Em uma das regiões mais violentas, foram 10 mil óbitos somente entre janeiro e março de 2022. De acordo com The Armed Conflict Location & Event Data Project (ACLED), o acumulado nos três meses é quase um terço do que foi documentado em 2021, quando foram registrados mais de 42 mil vítimas. Os números são assustadores, mas não surpreendem, afinal, o alto índice de violência é frequente na região, que sofre com a guerra desde 1978, de acordo com o site World Population Review.


Se para você, caro leitor, os dados não fazem sentido, provavelmente está pensando na Guerra da Ucrânia (que me perdoe o Kremlin!) que se iniciou em março deste ano. As notícias sobre o conflito começaram a circular na mídia global com a implementação 1ª fase da “operação especial militar” da Rússia, que invadiu militarmente a Ucrânia alegando a defesa da região de Donbass e Luhansk contra um governo nazista.


Mas, este texto quer provocar o olhar para outras regiões, por vezes distantes da agenda midiática universal, mas que também vivenciam guerras e conflitos armados. Especificamente, os dados apresentados sobre o alto número de óbitos tratam do conflito civil no Afeganistão. O país sofre com confrontos armados desde 1978 e, desde agosto de 2021, enfrenta uma luta armada com a retomada do país pelo grupo fundamentalista Talibã.


Como um exercício de comparação, entre março e abril, a guerra noticiada em terras européias teve mais de mil fatalidades de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). O confronto no Afeganistão no mesmo período deixou dez vezes mais vítimas. Em termos de cobertura, pelo menos na mídia brasileira, qualquer informação vinda do país do centro asiático não recebeu dez vezes mais destaque.


Muitos veículos noticiosos disponibilizaram suas redações em tempo integral para informar o que estava ocorrendo de minuto em minuto na Ucrânia. Desde o início dos ataques, a mídia passou a integrar uma movimentação mundial para a situação ocorrida na Ucrânia. Correndo contra o tempo e atendendo aos pedidos dos apresentadores de telejornais, países e voluntários ampararam a fuga dos civis ucranianos para os países vizinhos. Bilhões de dólares foram doados pelas maiores potências econômicas mundiais durantes os primeiros 30 dias de batalha para o país europeu. Ocorreram também resgates de animais, alistamento voluntário de pessoas de várias nacionalidades, protestos nas principais capitais mundiais, além das centenas de campanhas de arrecadação de dinheiro e cancelamento de produções russas nas redes sociais.


Não desejo comparar fatalidades ou nivelar tragédias humanitárias provenientes de guerras que ocorrem em nosso globo. Mas, é interessante observar como as tragédias recebem importância distinta na cobertura midiática. A Guerra da Ucrânia foi eleita para receber os holofotes entre, pelo menos, 22 outras guerras que ocorrem simultaneamente em 2022. E se formos ampliar o leque para abordar também guerras civis, revoltas, golpes de estado, violência em governos autoritários, retaliação contra protestos pacíficos em governos ditos democráticos, o número de nações manchadas pela violência seria ainda maior.


Desses 22 países em guerra, 14 estão no continente Africano. Ironicamente, propagandas de doações para civis passando fome na África são constantemente veiculados antes de programas noticiosos. Mesmo assim, muitos não dedicam um minuto de sua programação para noticiar fatalidades provenientes desses conflitos que ocorriam em países desse continente. A cobertura midiática em torno da Ucrânia, faz parecer que a notícia possui muito mais valor quando vem da Europa.


Um fato que me chamou atenção no meio desses meses de conflito. Segundo o Observatório de Conflitos Internacionais (COI) do Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Conflitos Internacionais (GEPCI) veiculado à Universidade Estadual Paulista (UNESP), 22 nações exigiram que o Paquistão condenasse a agressão da Rússia à Ucrânia. Imran Khan, primeiro-ministro paquistanês, teve que lembrar às nações amigas que seu país está em guerra desde 1947 contra a Índia e raramente há pronunciamentos das nações ocidentais sobre o conflito. Com qual frequência consumimos matérias sobre esse confronto? Pobre do primeiro-ministro do Paquistão que teve de fazer o trabalho de informar às 22 nações exigentes sobre o estado atual de seu país. Trabalho muito mais árduo do que parece ser de representantes de estado do velho continente.


A falta de espaço para noticiar outros confrontos, seria porque estes não são mais novidade? Afinal, o conflito em Mianmar, por exemplo, ocorre de forma armada e não armada desde 1948. Isso faz das novas mortes e vítimas uma notícia velha?


Ou seria uma questão de audiência que está pesando nas pautas jornalísticas? A população não está mais querendo saber desses conflitos? Podemos até apontar isso, já que em 30 dias de conflito na Guerra da Ucrânia, a cobertura integral, passou para pequenos boletins diários. Em seguida, para notícias pontuais e posteriormente para uma cobertura sobre o que estava acontecendo no festival de música Lollapalooza. Será que nos acostumamos e banalizamos a violência com tanta rapidez?


Penso se seria questão da importância da notícia. Como podemos mediar a noticiabilidade de uma tragédia? A geografia é definitiva no impacto fúnebre de um confronto? No dia 19 de março, foi televisionado o discurso do primeiro-ministro britânico Boris Johnson, condenando mais uma vez os ataques russos que, no dia anterior, haviam acertado um teatro que abrigava civis e, entre eles, crianças. A China pedia oficialmente o fim da Guerra da Ucrânia. A Federação Internacional de Futebol (FIFA) desbloqueou milhões para ajudar a Ucrânia. Bailarinos renomados do mundo todo se uniram em Londres para uma apresentação de gala que visava arrecadar dinheiro para o mesmo motivo.


De acordo com o Observatório de Paz da Etiópia (EPO), no mesmo dia, uma criança de 12 anos perdeu a vida em sua cerimônia de graduação da escola durante uma explosão de uma bomba, fatalidade que teve mais três óbitos e 35 feridos. A explosão foi um dos vários atentados que ocorrem no país desde que entrou em uma guerra civil em 2020. Conflito que apenas nos três primeiros meses de 2022, já havia tirado a vida de mais de 10 mil pessoas. Ambos os fatos poderiam ter recebido o mesmo destaque?


Entre março de 2021 e março de 2022, tivemos um total de mais de 102 mil conflitos que tiveram fatalidades totalizando o número apresentado na introdução desse artigo. Devemos refletir à respeito do destaque dado pela mídia ao conflito armado em solo europeu. Podemos também nos questionar sobre o que consumimos nos veículos de informação de outros países que se encontram na mesma situação há mais tempo. Será justo a notoriedade na mídia que cada guerra está recebendo? Quando vale noticiar mais uma bomba que explodiu em uma escola?


Imagem: Paulo Pessôa Neto.

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