O cenário macabro do espetáculo Insanos já denunciava que ali aconteceria cenas desagradáveis. A música fúnebre, a meia luz, as vozes vindas de uma caixa de som. Tudo ali era assustador. Em silêncio, as pessoas entravam e, assustadas, acomodavam-se nas cadeiras mais ao fundo. Talvez por medo do que poderia acontecer. O espetáculo começa.
No palco, três cenas de tentativa de suicídio, três formas diferentes de tentar tirar a própria vida. Todas sem sucesso, pois o ator Anderson Lima interpreta esquizofrênicos, e segundo ele, pessoas que possuem essa doença não se matam, apenas pensam em se matar. O medo, afirma o ator, é muito maior, assim, esse tipo de cena acontece apenas no seu imaginário.
“Eu subi no topo mais alto do prédio que tinha na cidade. Eu queria saber como era voar como os pássaros, mas voar não é igual a cair, sentir seu corpo se contorcendo com a velocidade da descida e seus ossos se partindo ao entrar em contato com o chão. Uma dor insuportável que te pode levar à morte. Imagina você lá deitado e ouvindo a voz de todos que te amam dizer: ele se suicidou. E suicida não tem o perdão dos céus”, são as elocubrações do personagem em determinado da peça.
O personagem, que em suas alucinações acredita que tudo o que faz é autorizado por Deus, enquanto passeia por seus delírios regados de sangue e morte, narra sua infância e adolescência problemática. Na mesma medida, escreve um novo livro com novos trechos bíblicos baseados em suas teorias de certo e errado.
Aos olhos atentos da platéia o ator interpreta brilhantemente as sombras que o perseguem. As vozes que ecoam em sua mente, santas e profanas, tornam a atuação mais marcante e densa. Distúrbios esquizofrênicos foram expostos para a platéia de uma forma explicativa e respeitosa.
A esquizofrenia em debate com o ator
Ao final do espetáculo, o ator fez uma roda de conversa com a platéia. A dúvida geral era se a doença tem cura. A resposta, segundo Anderson Luma, é não. O que existem são tratamentos para controlar os episódios.
Para interpretar, o ator e autor da peça realizou pesquisas sobre o tema durante dois anos. Chegou até a participar de sessões de terapia com psiquiatra e psicólogo quando foi diagnosticado com esquizofrenia leve. Além dos estudos e pesquisas, o autor atuou como oficineiro no Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) , ficando em contato direto com pessoas que desenvolveram esquizofrenia por diversos motivos.
A pessoa já nasce com esquizofrenia, aponta o ator. No entanto, alguns gatilhos emocionais podem desencadear a doença. Além disso, algumas pessoas são mais propensas ao desenvolvimento, como usuários de drogas e pessoas que vivem em um ambiente de muita pressão psicológica, como professores.
Na roda de conversa, Fátima Innocêncio, uma das integrantes da platéia, contou que era professora de psicologia, porém, largou a profissão por conta da pressão do dia a dia. Hoje, atua apenas no consultório. Ela destacou a importância de um tema desse ser debatido dessa forma.
A esquizofrenia requer tratamento durante a vida toda, mesmo após o desaparecimento dos sintomas. Tratamentos com remédios e terapia psicossocial ajudam a controlar a doença. Os relatos da peça, todos verdadeiros, serviram de base para Lima escrever os textos e propor uma reflexão sobre a vida corrida e estressante da atualidade que podem servir de gatilho.
Texto e fotos: Ivone Souza
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