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“Climaticamente, não temos boas perspectivas de melhorar a situação global”

Maria Luiza Nogueira

As enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 são uma tragédia de múltiplas dimensões. Para além das questões humanitárias, sociais e econômicas, ganha destaque a dimensão ambiental relacionada ao episódio.


Para falar sobre esse evento climático extremo, conversamos com a pesquisadora Simone Erotildes Teleginski Ferraz, professora de Meteorologia da Universidade Federal de Santa Maria. Formada em Física, é mestre e doutora em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP). Sua área de pesquisa está relacionada a variabilidades climáticas, com foco em eventos de larga escala, como El Niño.



Pesquisadora aborda a relação entre as enchentes e a mudança do clima mundial. Foto: Luis Ferraz
Pesquisadora aborda a relação entre as enchentes e a mudança do clima mundial. Foto: Luis Ferraz


Ela falou sobre o evento ocorrido no Rio Grande do Sul e como isso se relaciona às preocupações mundiais do clima. A pesquisadora deixa o alerta de que é preciso uma cooperação global para frear as mudanças do clima que levam ao aumento de eventos extremos como esse.

 

Mediação: As chuvas no Rio Grande do Sul já vêm sendo intensas há um bom tempo, mas este ano de 2024 superaram todas as anteriores, até o momento a maior enchente já registrada em Porto Alegre teria ocorrido no ano de 1941. Poderiam nos explicar o motivo desse aumento nos índices de chuva?

Simone: Sim, o Rio Grande do Sul é famoso por chuvas intensas. Ele é um dos Estados em que a chuva é bem distribuída durante o ano inteiro, diferente do Paraná, por exemplo, que temos um período mais seco do ano, onde chove menos, como no inverno, e um período mais chuvoso no verão. Já o Rio Grande do Sul tem um regime de chuvas que é mais ou menos constante durante todo o ano.


Mas quando se tem eventos como o El Niño, se tem mais chuvas que o normal, então já é esperado durante os eventos ter chuvas acima da média. E o que aconteceu dessa vez, neste evento que foi tão intenso aqui no Rio Grande do Sul, foi uma combinação de vários fatores. Esse regime maior e, ao mesmo, um bloqueio atmosférico.

 

M: O que que significa um bloqueio atmosférico?

S: É um sistema de alta pressão que estava sobre o Paraná e São Paulo, e foi o que ocasionou essa onda de calor que teve em São Paulo ao mesmo tempo. Com isso, quando você tem o sistema de alta pressão, você não deixa as frentes frias passarem, ele fica bloqueando. E aí as frentes chegaram e pararam.


Então a gente tinha frentes estacionárias em cima do Rio Grande do Sul. Além disso, a gente tinha umidade vindo da região Amazônica, que estava trazendo mais umidade para essa região, mais calor. Então, todos esses fatores combinados fizeram com que a gente tivesse uma chuva muito mais intensa.

E isso tem a ver com mudanças climáticas também porque todos os modelos climáticos que a gente estuda já mostravam isso há mais de 20 anos. Mostrava que o Rio Grande do Sul ia sofrer com eventos mais extremos: ou seja, chuvas mais extremas, secas mais extremas. Então tudo isso acabou agravando esse evento.

 

M: Vocês, pesquisadores da área, foram surpreendidos por esse fenômeno? Ou de alguma forma isso já era esperado?

S: Sim, a gente ficou surpreso com esse evento pela intensidade dele, mas era esperado. Na verdade, os modelos mostravam que a gente teria chuva bem intensa nesse período, mas não essa intensidade que se mostrou, e não atingindo uma área tão grande. A gente teve chuvas extremas em quase todo o estado, com exceção da região Sul, que não passou por esse evento extremo. Todo o resto de estado foi atingido e numa quantidade e numa rapidez mais intensa do que esperado.

 

M: Este ano o Brasil irá sediar a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, e tem como tema o meio ambiente. Qual seria o papel esperado dos chefes de Estado do G-20 diante desse desastre do Rio Grande do Sul? 

 S: Não só no G20, mas também na COP (Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), que vai ser no Brasil ano que vem, a gente espera um papel realmente de liderança dos países e realmente levar as mudanças climáticas a sério. Isso não aconteceu até agora.


Quando a gente olha para o Acordo de Paris, os maiores poluidores não assinaram o acordo. Por quê? Porque você assinar um acordo que te obrigue a diminuir emissões afeta toda a economia de um país. E nenhum governante está interessado em fazer isso no seu mandato, você está pensando em se reeleger deli a quatro anos. Então o que a gente espera é realmente que os governantes olhem para o que está acontecendo no mundo e tomem atitudes globais. Isso envolve Brasil, Rússia, Estados Unidos, China, todos os países que são muito poluidores.


É claro que tudo isso tem que ser global. A gente tem visto vários países tentando resolver localmente os seus problemas de emissões. Isso é ótimo, mas não é o suficiente se os grandes poluidores do planeta não tomarem atitude. Se isso não acontecer, a gente vai continuar vendo eventos como aconteceu agora com essa catástrofe no Rio Grande do Sul, como os tornados intensos e muito frequentes que têm acontecido no hemisfério Norte, que têm varrido cidades nos Estados Unidos. Isso são só alguns sinais de que o clima realmente está mudando.

  

M: O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, tem sido criticado pelo baixo investimento em áreas como a Defesa civil, importantes em uma situação de emergência como esta. Se houvesse um investimento maior, ao seu ver, os estragos poderiam ser menores?

S: Sim, mais investimentos não só na Defesa Civil, mas na Meteorologia como um todo. O Rio Grande do Sul é um dos poucos estados que não tem um sistema meteorológico. Por exemplo, no Paraná tem o Simepar que é muito conhecido, faz previsões, tem radares mais alertas, está o tempo todo trabalhando com a defesa civil. No Rio Grande do Sul, isso não acontece.


Isso seria o primeiro ponto que seria necessário, o sistema meteorológico. Isso é caro, porque você tem que ter meteorologistas contratados trabalhando sete dias por semana, 24 horas por dia, ou seja, seria um serviço que não pararia.


Você tem que ter uma rede de dados meteorológicos espalhados. A gente tem muitos dados no Brasil, mas assim é muito menos do que você tem em outros países, e o radar é extremamente importante quando você quer detectar chuvas extremas ou eventos muito rápidos como um tornado. A gente tem tido muitos tornados tanto no Paraná, São Paulo, quanto do Rio Grande do Sul. Aqui [no Rio Grande do Sul], uns dias antes das chuvas, a gente teve três tornados, então, uma rede de radar muito eficiente ajudaria muito.


E a Defesa Civil também tem que ser muito mais organizada, tem pouco investimento. A maioria das cidades tem uma pessoa relacionada à defesa civil e não é uma pessoa especialista. Por exemplo, Santa Maria tem um político que cuida da Defesa Civil, e isso a gente vê em várias outras cidades. Tem que ser uma coisa muito mais organizada. Não precisa ser um Meteorologista, mas alguém que tenha uma formação, que entenda aquele tipo de alerta que ele está recebendo e que saiba agir a partir daquele alerta. Porque quando você tem um alerta de chuva se você tem um sistema muito bem-organizado vai saber já de antemão.


“Opa, mas se chover tantos milímetros. Ah, a calha do rio vai sair fora do seu curso, vai atingir quais ruas? Quais áreas? O que a gente vai fazer com as pessoas que moram nessa região?” Isso não é organizado no Brasil, você espera acontecer o evento. Não é só Santa Maria, não é só no Rio Grande do Sul. É o Brasil inteiro. A gente não está preparado para eventos extremos no país com exceção de algumas pouquíssimas cidades que têm isso mapeado. [...] Mesmo agora, durante o evento extremo, o governador contratou empresas privadas ainda para prestar serviços de informações.


Então também essa relação com o contexto acadêmico tem que ser mais direta. O Rio Grande do Sul tem dois cursos de Meteorologia, isso não tem estado nenhum, com exceção de São Paulo que tem dois também. Pelotas tem até o nível de mestrado, Santa Maria tem doutorado, então quer dizer a gente tem uma gama de pesquisadores que entendem o que está acontecendo, e o governador não nos ouve! Não só nós, mas Pelotas também. Então a gente fica formando pessoas, colocando pessoas no mercado que poderiam estar trabalhando, por exemplo, em Porto Alegre, trabalhando no estado e acabam entrando em outros lugares, porque falta investimento e essa relação mais direta com o que acontece na academia.


O governador [do Rio Grande do Sul] peca, e a maioria dos grandes governadores peca. Se a gente pegar São Paulo acontece a mesma coisa, Rio de Janeiro acontece a mesma coisa. Precisa ter essa ponte entre o serviço do governo e o que acontece na academia. O que é feito na academia e as informações que a gente pode dar? 

  

 M: O planeta vem enfrentando a época de ebulição global, com isso, diversos desastres vêm arrasando o mundo. Ainda existe alguma maneira de reverter esse problema? E como a população mundial pode colaborar com isso? 

 S: Se a gente continuar poluindo como a gente polui, a gente não vai conseguir reverter. É claro que se todos os países se comprometerem a diminuir as suas emissões, que é o que era proposto lá no Acordo de Paris, mas que nem todos assinaram, a gente consegue é frear esse aquecimento.


Vai diminuir daqui 100 anos, 50 anos. Por quê? Porque muitos gases que estão na atmosfera têm o tempo de decaimento muito lento. Mas, se a gente não fizer nada, o efeito vai vir para a gente, porque esses eventos extremos chegaram antes do que a gente imaginava. Antes do que os modelos previam, porque a gente não fez nada para diminuir o aquecimento.


Pontualmente dá para fazer algo, quer dizer, se cada país fizer a sua parte, se cada pessoa fizer a sua parte da maneira a tentar diminuir as emissões. Não é só andar de bicicleta ou não, não é só não comer carne uma vez por semana. É todo o nosso sistema.


O plástico que a gente usa é tirado do petróleo, são coisas pequenas do nosso dia a dia, do nosso conforto diário que vão ser afetados para que a gente realmente comece a agir de uma maneira diferente. E isso tem que ser global, funciona cada pessoa fazendo a sua parte, mas se isso não acontecer globalmente, vai ser muito difícil da gente reverter.


E aí eventos dessa magnitude que a gente viu agora, que era esperado que acontecessem a cada 80 anos, 70 anos... Por exemplo, a grande enchente do Rio Grande do Sul foi 1941. A gente está falando que faz 80 anos, o que se espera é com o nível atual do clima que não vai levar 80 anos para acontecer essa chuva novamente, talvez ela ocorra em 40 anos, talvez ocorra em 20 anos. Então espera-se que esses eventos que seriam muito pontuais ocorram com uma frequência maior e cada vez com uma intensidade maior; então isso é o mais preocupante.


E climaticamente, não temos boas perspectivas de melhorar a situação global. Isso tem que ser mundialmente discutido e mundialmente resolvido, as ações para diminuir as emissões e frear esse aquecimento que a gente encontra. 

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