Foto: Arquivo pessoal
Formado em jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), seus desenhos ficaram conhecidos em jornais como a Folha de São Paulo, Gazeta do Povo e o Jornal Plural.
Ele iniciou sua carreira profissional no Jornal da Manhã, de Ponta Grossa, no ano de 1994. Em 1999 foi contratado pelo Diário dos Campos, onde publicou charges diárias e uma página de humor semanal chamada Bananas. Em 2000 mudou-se para Curitiba, onde passou a publicar seus trabalhos no extinto Primeira Hora e na Gazeta do Povo, onde ficou até a última edição impressa, em 2017. Na Gazeta do Povo publicou charges políticas e uma tira diária chamada Salmonellas.
Desde 2007 é chargista do jornal Folha de S. Paulo. Em 2019 ajudou a criar o Jornal Plural.
Foto: Arquivo pessoal.
Confira a entrevista completa:
Por que decidiu trabalhar com jornalismo?
Acho que foi uma questão de estratégia. Eu já havia trabalhado como chargista em um jornal antes de ser jornalista. Estava com uns 18 ou 20 anos de idade, era completamente imaturo e acabei demitido por não ter muita noção do que podia e, principalmente, do que não podia publicar em um jornal diário. O curso de jornalismo, na minha cabeça, seria um atalho para eu voltar para as redações de jornal - naquele tempo, 1994, isso ainda existia. E meu sonho era ficar lá, no meio de um monte de velhos fumando e batendo com os indicadores em máquinas de escrever barulhentas; telefones tocando e alguém entrando na redação gritando "parem as máquinas". Cheguei a pegar o final dessa era.
E como se tornou cartunista?
Sempre desenhei, minha vida toda. Mas meu desenho não era artístico. Era mais parecido com garranchos. E eram engraçados. Então um dia descobri em um sebo uma revista de charges políticas e cartuns eróticos, que tinham todos esses cartunistas que vieram a se tornar meus ídolos: Jaguar, Ota, Laerte, Glauco, Angeli. Eram desenhos que pareciam garranchos, mas tinham um tema específico, que era a política. Aí encontrei um caminho para meus garranchos, que não eram artísticos mas tinham agora um objetivo. Enquanto todo mundo da minha idade tava lendo Turma da Mônica ou heróis da Marvel eu tava perdendo a inocência com Chiclete com Banana, Charles Bukowski, essas coisas.
Que preparação esse trabalho exige?
Se você quiser ser bom um chargista hoje, aconselho a estudar Sociologia ou Filosofia, não jornalismo, como eu fiz. A política atual exige uma compreensão de mundo mais ampla, que a simples leitura de jornal não te permite fazer. Na verdade não a política, mas a formação/construção histórica da nossa sociedade. Ao compreender esse processo você vai entender porque nossa política está assim e, sobretudo, a função do jornalismo nessa formação/construção, onde ele atua para manter algumas estruturas intactas. Claro, o jornalismo te dá algumas bases éticas importantes, mas nossa realidade é tão complexa -e chegou em um ponto, eu diria, perigoso, de quase ruptura do tecido social - que talvez você precise estudar Química para compreender como chegamos a Carla Zambelli, por exemplo.
Quais são suas histórias preferidas na profissão? Quer nos contar alguma delas?
Tenho várias. De políticos que foram na redação do jornal para me bater até policiais que me convidaram para "dar uma voltinha de camburão". Acho que a charge que causou minha primeira demissão dá uma ideia do que seria minha rotina. Fiz uma paródia da Via Sacra. Depois descobri que os donos do jornal eram da TFP.
Qual a importância do jornalismo e do cartum como contribuição social
O jornalismo teve um fator, entre vários outros, que deixou evidente sua importância durante a pandemia e os quatro anos de governo Bolsonaro: a importância de ser profissional. O jornalismo profissional desmentiu a história da cloroquina, por exemplo. Quando o jornalismo feito por profissionais sérios e capazes foi demonizado pela extrema-direita ganhou espaço os Terças-Livres da vida, que baseiam todo seu discurso em "fatos alternativos". O jornalismo profissional - e quando digo profissional estou me referindo a métodos de apuração e checagem de informações, ética, etc. - mostrou que não dava para alterar a realidade como se ela fosse massa de modelar. Apesar dos donos de jornais e redes de TV não se importarem muito com isso. Se a democracia hoje ainda dá sinais de vitalidade, é por causa do jornalismo. A charge, no caso, é uma consequência porque ela é alimentada por essas informações. Quando você vê um chargista de direita você pensa, hmmm... esse cara não pegou bem o espírito da coisa.
Como você vê o cenário atual do cartum no Brasil? E como enxerga o futuro no meio jornalístico?
Acho que, quando estamos sob um governo muito tosco, a tendência é os chargistas comemorarem. Esse fluxo de informações que vêm quase simultaneamente via imprensa e redes sociais, mais a concorrência com outras formas de humor, fez os chargistas se tornarem cada vez mais críticos. O humor como linguagem evolui também. Não vemos mais charges mansinhas que contemporizam com personagens irrelevantes da política. Nos anos 80 e 90 as charges eram para fazer todo mundo rir, inclusive a figura retratada. Tipo desenhar dois políticos num saloon com estrelas de xerife se preparando para duelar. Nos anos 80 isso era até corajoso. Não dá mais para desenhar o presidente descascando um abacaxi com a cara do Arthur Lira. É um humor muito inofensivo, quase uma homenagem.
Como é trabalhar com charges políticas?
As vezes é bom, outras é como entrar todas as manhãs numa mina de carvão e ficar lá respirando o ar mais poluído do mundo por 18 horas seguidas. Quando termino de desenhar me sinto exausto, coberto de sujeira da cabeça aos pés, esfarrapado, machucado, querendo cair na cama ou abrir um vinho. Nos últimos quatro anos cheguei realmente a ficar doente por causa disso.
Antes e depois do jornalismo: como a profissão te transformou?
Me senti menos "superficial", digamos assim. Assim como é importante saber algumas técnicas de desenho, photoshop, é importante compreender que a informação é também resultado de um processo que você tem que saber manejar com muita responsabilidade, para não fazer besteira. Ou então sai cometendo crimes, pelo simples fato de achar que o humor está acima de tudo, por exemplo. É o que acontece com comediantes stand up. Não, o humor da charge, primeiro, se submete ao rigor da apuração jornalística.
O que ainda gostaria de realizar como jornalista?
Quero que o Plural se consolide como um jornal que sobrevive com seus recursos, porque o Plural faz jornalismo profissional.
O melhor da profissão:
Tem uma tira do Dia Browne que eu costumo usar como exemplo para o jornalismo/cartunismo. Hamlet pergunta para seu pai, o Hagar: Pai, por que ser viking? Você tá sempre viajando para os lugares mais perigosos do mundo, passa frio, fome, luta em batalhas sangrentas, quase morre. Qual o lado bom disso? E o Hagar responde: esse é o lado bom.
O pior da profissão:
Úlceras nervosas, hérnias de disco, diverticulite, estresse, LER, cotovelos de tenista.
Suas referências no jornalismo?
Meus amigos do Plural, claro. Meus professores de jornalismo. Meus colegas da Folha. Os caras do Pasquim e da Chiclete com Banana. As novas gerações de desenhistas mulheres.
Uma dica para quem quer trabalhar com desenhos ou charges:
De uma série chamada Caroline in the City: - Por que você resolveu ser cartunista?
- Eu gosto de passar fome.
Um recado para os futuros jornalistas:
Sua reputação é o que mais importa.
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