Com as escolas fechadas, as aulas remotas se tornaram a nova realidade de professores e alunos do ensino básico. A preocupação com a alfabetização é constante.
O ensino emparedado pela pandemia. Escolas fechadas, salas vazias — Foto: Rodrigo Sepini.
O sinal já não toca, os quadros estão limpos, as salas de aula vazias. A escola que até então era um lugar de ensino, aprendizagem e de relações sociais, está fechada. Não se ouve vozes, não se vê mais o brilho no olhar da criança quando aprende a ler. A educação está sob quarentena.
Mirian Pereira, pedagoga e especialista em alfabetização e letramento, mineira, 26 anos, trabalha na educação infantil e enfrenta os mesmos desafios que outros milhares de professores pelo Brasil: a difícil adaptação ao ensino remoto. Como diminuir os impactos da distância e não se sobrecarregar?
Professora em uma escola municipal no sul de Minas, Pereira mora na cidade vizinha em que leciona, a 30 quilômetros de distância. Todos os dias pegava uma van para ir e voltar do trabalho e mantinha um contato diário de quatro horas e meia com seus alunos. Uma rotina já encravada que a pandemia do coronavírus obrigou a alterar.
Mas a alfabetização não pode ser interrompida. Tentando minimizar a ausência do contato presencial com os alunos, ela utiliza a tecnologia a favor da alfabetização e se reinventa. “Durante o dia, eu início passando as orientações das atividades diárias para os pais e alunos, atendo no particular as demandas de cada aluno e família, dou a devolutiva das atividades recebidas. Para as famílias com acesso à internet essa ação é feita pelo aplicativo WhatsApp, e para os alunos que não possuem conexão com a internet a intervenção é realizada via ligação. Depois eu planejo as atividades, crio o material que será postado no portal, participo das gravações para a TV Princesa [canal de televisão local], que tem transmitido as atividades do portal”, explica a professora.
Números do analfabetismo em 2019
Fonte: DataSUS/PNAD 2019 — Infográfico: Rodrigo Sepini
O relatório apresentado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) em 2019, em comparação com dados extraídos do DataSUS, aponta para uma queda na taxa de analfabetismo no Brasil entre os estudantes com quinze anos ou mais, indo de 9,4% em 2010 para 6,6% em 2019.
Pereira acredita que essa melhora se deve ao investimento e projetos de governos anteriores, como o PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). No entanto, mesmo adaptando as formas de ensinar, teme que esse panorama possa ser alterado devido a distância entre o aluno e a escola. “A gente vai ter uma queda, uma estagnada nessa melhora, pois a alfabetização é um processo complexo e devido a esse distanciamento, os alunos não possuem o acesso direto aos professores como tinham presencialmente”.
Com a transformação da casa em ambiente de aprendizagem e o trabalho redobrado, a exaustão entre os professores é notada, como afirma a pedagoga. “Esse horário de trabalho não fica bem definido… E também entrar em contato com gravações de televisão, coisa que eu nunca imaginei, participar de gravações para TV”. E complementa: “Hoje em dia a gente pode dizer que um canto da casa é o canto da escola, onde fica tudo ali do seu trabalho, virou a nossa sala de aula”.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil se encontra em 2º lugar mundialmente, com o maior número de mortes por covid-19, atrás apenas dos Estados Unidos. Sem vacinação, uma volta às aulas presenciais preocupa. “Eu acredito que uma reabertura totalmente segura seria uma após vacinação, mas acho que isso não será realizado. Espero que pelo menos seja estabelecida após um controle significativo dos casos de infectados, para isso precisaremos cobrar do governo protocolos bem definidos que busquem o distanciamento entre os alunos e trabalhadores da educação, bem como a utilização rigorosa dos equipamentos de segurança para todos”, salienta.
Mirian preparando seu material de trabalho, agora em casa, na companhia de sua gata — Foto: Arquivo Pessoal/Mirian Pereira
A importância dos relacionamentos interpessoais para o desenvolvimento cognitivo infantil
A ausência de relacionamentos interpessoais como consequência do fechamento das escolas, afeta o desenvolvimento cognitivo da criança em processo de alfabetização e de aperfeiçoamento de habilidades. Isso é o que afirma a psicopedagoga e especialista em educação básica, Iraci Miranda. “O desenvolvimento intelectual é um processo que a criança passa para adquirir e aprimorar as capacidades no âmbito cognitivo, motor, emocional e social, e só quando conquista essas capacidades que ela passa a apresentar comportamentos e ações. Então, tudo isso que vai desenvolver o cognitivo dela, todos esses fatores que são trabalhados na escola, nos relacionamentos interpessoais, agora com a ausência da escola, isso está a desejar no ensino remoto, isto não está acontecendo”.
Relacionamentos interpessoais em falta. A ausência do contato social pode afetar o desenvolvimento cognitivo infantil — Foto: Rodrigo Sepini
Miranda finaliza com uma observação: “E a gente vê que o aluno, a criança vai ficar prejudicada porque ela não está tendo uma integração, um desenvolvimento com esses aspectos afetivos, do convívio com o outro, o físico, o emocional, o social, o intelectual, que é tudo isso que vai ocasionar uma motivação interna para ela construir o conhecimento ali a todo momento.”
Edição: Paulo Pessôa Neto
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