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Amanda Zanluca

É um trabalho intenso e a gente tem que estar atento a tudo de forma permanente, afirma Palacios

Atualizado: 25 de fev. de 2021

Ariel Palacios é formado em Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), e foi na capital do café que iniciou sua carreira, atuando como freelancer na Folha de Londrina. No currículo do repórter ainda vemos veículos como O Estado de S. Paulo, Rádio CBN e a antiga Rádio Eldorado. Do Paraná para o mundo, o repórter atuou no espanhol El País, em Madrid, e ainda em terras estrangeiras atua como correspondente da GloboNews na Argentina desde 1996.

Autor dos livros "Os Argentinos" e "Os Hermanos e Nós" - em parceria com o também jornalista Gustavo Chacra -, em 2014 recebeu o Prêmio Comunique-se de melhor correspondente brasileiro de mídia impressa no exterior. Ariel Palacios é a nova personalidade do jornalismo que deu uma entrevista para a série "Fala, Jornalista!". As entrevistas, que são publicadas quinzenalmente no portal da Agência Mediação, trazem novas perspectivas e diferentes visões acerca da profissão.

Créditos: Arquivo Pessoal

Por que o jornalismo?

Boa pergunta. Eu queria ser arqueólogo, mas meus pais falaram que como arqueólogo eu ia morrer de fome. Depois queria ser historiador, meus pais repetiram a mesma frase. E eu tinha feito um ano de direito, mas não achei graça nisso - embora fosse muito interessante por outros motivos -, e como não havia faculdade de turismo acabei optando por jornalismo, com a ideia de ser já desde o início correspondente internacional. Então, por um lado era uma forma de escrever sobre história - que era o que eu queria ser historiador -, porque como jornalista a gente escreve sobre a história de cada dia e a gente é um historiador. E como correspondente, embora eu não fizesse a faculdade de turismo, como correspondente poderia visitar vários países e conhecer várias culturas. Então, acho que acabou sendo uma mistura de todas essas coisas. E o arqueólogo que eu queria ser quando era criança e que ainda gostaria de ser, bom a gente vê cada dinossauro na política que a gente acaba sendo de certa forma um arqueólogo. Então, esse é o motivo de porquê o jornalismo.

Antes e depois do jornalismo: como a profissão te transformou?

Eu acho que sou o mesmo de antes. Não sou daquelas pessoas que mudaram. Eu posso ter feito "updates" de personalidade, mas não é que tenha me transformado. As minhas preocupações com a sociedade já eram as preocupações que eu tinha antes do jornalismo. Já era uma pessoa paciente antes de ser jornalista e no jornalismo a gente precisa de uma paciência descomunal para lidar com governos, com todo tipo de pessoas, entrevistados, situações. Então, no jornalismo a gente tem que ser metódico, paciente para poder conseguir preparar o material jornalístico.

Conte um pouco da sua trajetória profissional antes de se tornar correspondente internacional.

Eu me crie e me formei em Londrina (PR) em 1987. Fiquei em Londrina fazendo freelancers até o final dos anos 1990, e depois fui para Curitiba - onde morava meus pais -, e fiquei trabalhando como freela em Curitiba. Fiz a prova para o Master do jornal El País em Madri e fui aprovado. Fui para Madri e fiquei lá entre 1993 e 1994 fazendo o master do país em 1993. Depois trabalhei dentro do país mas por outros meios de comunicação de Madri. No final de 1994 voltei para Curitiba e em agosto de 1995 vim para Buenos Aires na Argentina. Eu cheguei em Buenos Aires a 25 anos, primeiro trabalhando para o Estadão e um ano depois foi fundada a Globo News, onde eu entrei. Durante um ano e meio trabalhei na rádio da CBN e depois passei para a Eldorado. Enfim, foi a partir dali digamos que eu mergulhei na carreira como correspondente. Antes disso era trabalhar como freelancer em Londrina, Curitiba e em Madri.

Como é trabalhar sendo correspondente internacional?

É um trabalho intenso, porque como correspondente você está sozinho, você não está com uma redação. Você não é por exemplo uma filial de um jornal, de um canal como em Brasília, São Paulo, Porto Alegre, você está sozinho. Então, é um trabalho intenso e a gente tem que estar atento a tudo de forma permanente.

"Leiam muitos meios de comunicação de outros países,

aprendam idiomas, tenham paciência e de

preferência também tenham uma profissão de estepe"

Existe algum padrão de perfil pessoal ou técnico para uma pessoa estar qualificada a se tornar correspondente internacional?

Eu acho que não existe especificamente um padrão em qualquer parte do mundo. Tem coisas que acho pessoalmente que um correspondente teria que ter, mas nesse caso é a minha opinião pessoal sobre que tipo de requisitos a pessoa teria que ter. A pessoa tem que ter um ótimo conhecimento em história mundial, e especialmente do país que vai cobrir ou dos países que cobrirá. E quando digo conhecimento em história é um conhecimento muito bom. Que fale os idiomas dos lugares que vai cobrir, que fale de preferência relativamente bem, se falar de forma excelente melhor ainda. E aí já entra em outras características que são ela tem que ter uma mente aberta para entender que as coisas nesses outros países não são necessariamente iguais ao país de origem. Então, ela tem que ter essa mente aberta para ver isso. Quando eu digo mente aberta, é que a pessoa entenda que o país que ela está cobrindo não tem haver com o país do qual ela vem. E que a pessoa entenda que o sistema político é diferente, que até a corrupção pode ser diferente. Que o que irrita um eleitor no Brasil não necessariamente irrita um eleitor no outro país, mas às vezes pode irritar coisas que no Brasil não irritariam. Então, que leve em conta isso que são sociedades diferentes, culturas diferentes e que não dá para analisar tudo com o olhar brasileiro. Ela tem que contar a história desse outro país, desse novo país com os fatos, com análise. Mas não como referência, como se fosse algo monolítico, como se fosse um dogma ou como é no Brasil. Então, tem que ter essa mentalidade aberta de saber que os horários são diferentes, que os costumes são diferentes, que os partidos políticos são diferentes. Então, é preciso levar em conta todas essas nuances.

Quais as maiores dificuldades enfrentadas quando você está a milhares de quilômetros da sua terra natal?

Bom varia, não sei se refere no dia a dia, no cotidiano ou na elaboração de alguma matéria especial. Isso pode ser desde problemas logísticos, se a gente está viajando para cobrir alguma coisa, se tem algum problema para fazer alguma cobertura, para conseguir a passagem, para conseguir se transportar ou se são dificuldades genéricas. Nesse caso dificuldades genéricas são como lidar com coisas com as quais você não está acostumado. Então por exemplo, a burocracia que na Argentina é tremendamente maior do que no Brasil. E olha que a burocracia no Brasil já é imensa. Então, a gente perde um monte de tempo com questões burocráticas na Argentina por exemplo, e essa é uma das dificuldades. Outra dificuldade aqui são as assessorias de imprensa que na Argentina não funcionam como funcionam no Brasil. No Brasil apesar de tudo funcionam muito bem comparado com a Argentina. Então, na Argentina é preciso gastar muito tempo para as vezes conseguir uma informação que no Brasil isso seria muito mais rápido. Então, as dificuldades são basicamente essas. São dificuldades às vezes na demora em conseguir as informações ou em todas as coisas que é preciso fazer, o que no Brasil ou em outro país seria mais fácil.

Estando em um país diferente, como os nativos te recebem para uma entrevista?

Depende de cada país. Na Argentina a imprensa brasileira tem a sua importância, mas eles dão muito mais importância para a imprensa europeia ou americana. E dentro da europeia há a espanhola, e dão menos bola para a brasileira. Então, quer dizer é teriam menor interesse em dar entrevista para um meio de comunicação brasileiro do que para um meio americano, mas isso é na Argentina. No Uruguai mais ou menos. No Paraguai eles tem uma abertura enorme com a imprensa brasileira, porque eles conhecem muito bem a imprensa brasileira. Os canais de TV do Brasil entram em todo o Paraguai, então eles partem de outro patamar. Eles conhecem a imprensa brasileira, então é muito mais fácil falar com alguém no Paraguai como jornalista brasileiro do que em outros países da região. Isso pela questão da nacionalidade. Mas existem países ou regiões, mesmo dentro da Argentina há regiões onde as pessoas são mais ariscas em falar com a imprensa, tanto a imprensa nacional quanto a imprensa estrangeira, isso varia muito. Varia muito das características de cada cidade, de cada região. E às vezes até em questões políticas, por exemplo dentro do Uruguai quando você vai entrevistar pessoas na rua em uma eleição presidencial, há eleitores de certo partido mais bem dispostos a falar com a imprensa seja uruguaia ou seja estrangeira. Outros eleitores de outros partidos menos, e isso a gente nota muito no caso do Uruguai. Então, varia muito.

O que muda no planejamento, produção e finalização de uma matéria sendo correspondente?

Não sei exatamente o quê que muda. Talvez os horários de fechamento, talvez isso mas acho que não vejo muita diferença hoje em dia. Há muitos anos que não trabalho dentro do Brasil, então para mim é difícil comparar.

"Eu pude conhecer pessoas fascinantes e

inteligentes graças a esta profissão"

E quais as principais mudanças de trabalhar em meio a pandemia?

Eu acho que depende. Há pessoas que odeiam trabalhar em casa, eu gosto de trabalhar em casa. Me sinto confortável, tenho um escritório que é confortável. Tem pessoas que preferem trabalhar em algum escritório fora de casa, o que é mais caro por outro lado e você perde tempo no transporte. Mas eu acho que basicamente depende se a pessoa se sente a vontade no lugar onde ela tem que trabalhar no meio da pandemia, que nesse caso no home office é de casa. Então, eu tenho um escritório que para mim é confortável, que decorei do jeito que gosto e para mim o environment (meio ambiente), o ecossistema para mim é muito legal, então para mim não tem muita diferença. A diferença que tem sim é com toda a questão sanitária com a qual você tem que aplicar extremo rigor de ao sair na rua com luvas, com máscaras, ao voltar para casa desinfetar tudo. Essa trabalheira mas que é inevitável e é sine qua non, tem que ser assim, isso evidentemente se perde muito tempo. Então, a mudança em si é basicamente essa. Não vejo outras grandes mudanças. As outras mudanças são que durante um bom tempo o assunto será a pandemia. E isso já é um assunto na questão de conteúdo. Outros assuntos por enquanto estão deslocados e voltarão depois da pandemia, como questões culturais, questões sociais, por enquanto está tudo concentrado na pandemia e as questões econômicas relativas a pandemia. Essa é a outra mudança, mas é uma questão temporária.

O melhor da profissão:

Por um lado é conhecer colegas estupendos e eu tive muita sorte nisso. E acho que a outra coisa é conhecer entrevistados, pessoas que a gente conhece, que a gente entrevista que em outras circunstâncias não as teríamos conhecido. Então por exemplo, eu pude conhecer Umberto Eco, o filósofo, semiólogo italiano fenomenal. Pude conhecer diretores de cinema como Alan Parker, roteiristas, artistas, analistas, políticos, historiadores. Eu pude conhecer pessoas fascinantes e inteligentes graças a esta profissão, que talvez em outra profissão não poderia ter conhecido.

O pior da profissão:

Conhecer pessoas que são extremamente desagradáveis. Pessoas provincianas, negacionistas, ignorantes, e boa parte desses citados são políticos. Existem políticos civilizados também mas eles são uma minoria infelizmente. Especialmente no terceiro mundo, que é o que a gente cobre na América Latina. Mas acho que o pior da profissão é isso e lidar com todo o tipo de burocracia, de barreiras que colocam a imprensa, os governos. Especialmente nos últimos tempos em que há um ódio crescente contra a imprensa por parte de um monte de governos autoritários, seja de direita, de centro e de esquerda. Então, isso que é o pior da profissão, ter que lidar com essa cambada de provincianos.

Quem são os teus ídolos no jornalismo?

Um dos meus ídolos é o Jon Lee Anderson, correspondente internacional. Um dos falecidos é o George Steer, um correspondente inglês impressionante. O correspondente polonês Ryszard Kapuściński, já falecido mas que eu conheci. E tantos colegas do jornalismo brasileiro, o também já falecido Newton Carlos, o Clóvis Rossi que faleceu recentemente. E também muita gente jovem, pessoas que eu conheço desde que eram jovens que também são meus ídolos, como o Guga Chacra, há várias pessoas também que a gente conhece pessoalmente, que a gente é amigo, colega, enfim, diversos tipos de relações mas que admiro.

"Como jornalista a gente escreve sobre a história

de cada dia e a gente é um historiador"

O melhor amigo do jornalista é?

Na atual circunstância o melhor amigo do jornalista é uma boa conexão de internet para poder mandar o material, e um celular que funcione bem. O que nos últimos anos tem sido normal, antigamente não era tão normal. Mas a tecnologia é o melhor amigo do jornalista, sempre te salva dos apertos.

Se não fosse jornalista seria?

Eu gostaria de ser historiador e arqueólogo, mas isso acho que seria difícil. Então, não sei. Se não fosse jornalista não sei o quê que poderia ser para trabalhar no dia a dia.

Um recado para os futuros jornalistas:

Estudem muito e leiam muito. Leiam livros mas do que coisas na internet. Mas na internet leiam muitos meios de comunicação de outros países, aprendam idiomas, tenham paciência e de preferência também tenham uma profissão de estepe. Ou seja, estude jornalismo mas ao mesmo tempo ou antes, depois, faz direito, faz economia, faz engenharia, faz medicina, faz outra coisa. O business jornalístico está passando há uns vinte anos por uma grande crise e o horizonte dessa crise ainda não dá para enxergar. Então, diria para os futuros jornalistas pensarem em outra profissão. O jornalismo é uma profissão fascinante, mas acho que por via das dúvidas devem ter alguma profissão com um mercado mais sólido, por via das dúvidas ali preparada.

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